sábado, 25 de enero de 2014

Loucura e magia negra (antonin Artaud)

os manicômios são conscientes e premeditados recipientes de magia negra, não só por os médicos promoverem a magia por suas inoportunas e híbridas terapias, mas por praticarem-na.
 Se não houvesse médicos
nunca haveria doentes,
nem esqueletos dos mortos
doentes para serem esfolados e retalhados.
pois a sociedade não começou com os doentes mas sim com os
médicos.
Aqueles que vivem, vivem dos mortos.
É preciso que a morte também viva:
e nada como um manicômio para carinhosamente incubar a morte e para manter os mortos em incubadeiras.

 Essa terapêutica de morte lenta começou 4.000 anos antes de Jesus Cristo, e a medicina moderna, nisso cúmplice da mais sinistra e crapulosa magia, aplica a seus mortos o tratamento do eletrochoque ou da insulinoterapia para drenar diariamente das suas coudelarias humanas o eu dos homens,
e apresentá-los assim esvaziados,
assim fantasticamente
disponíveis e vazios
ás obscenas solicitações atômicas e anatômicas
do estado chamado de Bardo*, entrega do barda vital ás exigências do não-eu.

O Bardo é ânsia mortal na qual se escoa o eu,
e nos eletrochoques há um estado de escoamento
pelo qual passam todos os traumatizados
e que os levava, não mais ao conhecimento, mas a horrenda e
desesperadamente desconhecerem quem são, quantos eram, que, lei,
eu, rei, vós, bah e ISSO.

Passei por esse estado e nunca mais o esquecerei.

A magia do electrochoque arranca um estertor de morte, mergulha
a pessoa que o recebe num estertor de morte de quem esta
abandonando a vida.

Mas os eletrochoques do Bardo nunca valeram como experiencia e,
tanto no eletrochoque do bardo como no Bardo do eletrochoque,
o estertor de agonia consiste em despedaçar uma experiencia
chupada pelos fantasmas do não-eu, a qual o homem nunca mais
conseguira reaver.
No meio dessa palpitação e dessa respiração de todos aqueles que
assediam quem, como dizem os mexicanos, cavando um buraco no
córtex do seu escarro, escorre desordenadamente para todos os lados.

A medicina mercenária mente sempre que diz ter curado um doente
pelas introspecções elétricas do seu método,e pessoalmente só vi
pessoas aterrorizadas pelo método, incapazes de reaver seus eus.

Quem tiver passado pelo eletrochoque do bardo e pelo Bardo do
eletrochoque nunca mais volta das trevas, e sua vida foi degradada.
conheci cada arquejo dessas moleculações do estertor dos
dos verdadeiros agonizantes.
Os taraumara do mexico chamam a este escarro de rouquidão de
cinza do carvão sem dentes.

Perda de uma parte daquela genuína euforia que outrora tivemos
ao nos sentir vivos, deglutindo e mastigando.

É assim que o eletrochoque, como o Bardo, cria espectros, converte
todos os estados pulverizados do presente, todos os fatos do seu
passado em fantasmas inutilizáveis no presente e que não param de
assediar o presente.

Porém, repito, o Bardo é morte, e a morte é apenas um estado de
magia negra que existe há não muito tempo.

Criar a morte de um modo tão artificial como o faz a medicina
moderna é favorecer o retorno de um nada que nunca favoreceu a
ninguém, mas com o qual certos aproveitadores predestinados do
homem se sustentam há muito tempo.

Na verdade, desde um certo ponto do tempo.

Qual?

Aquele em que foi necessário escolher entre a renúncia a ser homem
ou tornar-se um louco evidente.

Mas qual garantia tem os loucos evidentes deste mundo de serem
assistidos por autênticos homens vivos?

 
  
        

depois vou cotinuar com o texto pelo emquanto vai isto